Asier Mendizabal – Linguagem/ corrente, no Sismógrafo até 11 de maio
É uma surpresa para quem não fala português que a palavra normalmente utilizada para designar cadena seja “corrente”. Há alguma coisa de contra-intuitivo nesta ideia de deslocação que, por sua vez, denota uma deslocação na própria linguagem. É surpreendente que uma imagem que evoca a subjugação, que simboliza conceitos genéricos como a opressão ou a escravatura e que nos remete para o impedimento do movimento de alguma coisa ou de alguém, partilhe o nome com aquilo que flui, com aquilo que corre. E denota uma deslocação da própria linguagem, dizia, porque é fácil reconstituir, em sentido inverso, a cadeia de fonemas que, na sua transformação progressiva (sound shift, como lhe chamam os linguistas), formam a sua etimologia até ao latim currere e, a partir daí, até à voz *kurs das línguas pré-indo-europeias, ambas designando o simples acto de correr. A deslocação dos sons transformados em palavra ao longo das línguas e dos tempos, leva-nos, invertendo o curso dessa progressão, agora para a frente, por uma inesperada bifurcação, do *kurs e do curro, ao inglês horse. O animal que corre. A etimologia, arqueologia da linguagem, utiliza como material os fonemas, por vezes desligados da sua correspondência com o sentido, ao ponto de revelar uma ligação entre o animal que corre livremente e a corrente que o prende.
Se o significado assenta no signo (na palavra, no fonema, na imagem) por condensação, a linguagem, enquanto motor do pensamento e do desejo, funciona por deslocação. Esta é a diferença entre metáfora e metonímia. O que produz o sentido é o fluxo intangível de um som para outro, de uma forma para outra. O significado não está preso a nenhum ponto específico da corrente, o sentido aparece como um fluxo e só pára, provisoriamente, sob a forma de encontros entre o fluir simultâneo e indiferente da linguagem e do mundo.
Asier Mendizabal (Ordizia, Gipuzkoa, Espanha, 1973), vive em Bilbau e Estocolmo, onde é professor no Royal Institute of Art.
Exposições recentes incluem a participação em Art and Space no Museu Guggenheim, Bilbao (2017), e uma exposição individual na Fundación-Museo Jorge Oteiza, em Alzuza (2018). Realizou exposições individuais em Raven Row, Londres e Museo Reina Sofia, Madrid (ambas em 2011), Culturgest, Lisboa (2010), e MACBA Barcelona (2008). Participou na 34ª Bienal de São Paulo (2014) e na 53ª Bienal de Veneza (2011). O seu trabalho foi apresentado em exposições colectivas na Seccession, Viena, e Kunstverein Düsseldorf (2015), Galerie für Zeitgenössische Kunst, Leipzig (2012), ou Museu de Serralves, Porto (2010). O artista apresentou projectos específicos no Alabado Contemporáneo, Quito e na capela de Otzuarte, Espanha (ambos em 2016) e no San Telmo Museoa, San Sebastian, Espanha (2014). Uma parte importante da sua prática é baseada no processo de escrita.
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Até 11.05.2024